Monday, January 14, 2013

Os jovens de hoje vivem “narcotizados”...

Ameaçava chover. O mais certo era que começasse a chover pelo país inteiro, tão grandes eram as núvens que viajavam pelo céu, e de tão pequeno ser este nosso país.

Meti-me por uma porta pequena, como são todas as portas da bonita vila do Marvão e entrei numa loja de coisas para adornar o corpo ou a casa. Estava mais gente dentro, entrei sem ser notada. Fiquei a ver os modestos objectos de adorno enquanto aquecia as mãos e me distraía com a ideia de um eu diferente, com pulseiras, malas e roupas mais ao estilo hippie. Confesso que gostei dessa versão de mim.

Fiquei sozinha na loja e sorri como sempre para a pessoa que me recebia. Não me lembro como começou a conversa, mas rapidamente tomou contornos mais sérios e mais interessantes. A senhora, Luísa de nome, hippie de essência, perguntou-me que idade tinha, para saber se era jovem ou não, pois era sobre os jovens que falávamos. Quando lhe respondi 32 com o ar de quem diz que ainda é muito jovem, ainda antes de lançar alguma piada comum, ouvi-a responder que nessa idade já não se é jovem. Que disparate diz agora a nossa sociedade que aos 30 anos somos jovens. Com essa idade somos já bem crescidos e espera-se de nós um comportamento de responsabilidade perante o futuro da comunidade. Mas não é assim pois não. Os homens e mulheres de 30 anos, andam um bocado perdidos não é assim?

Tive de me fazer grande e respondi que não seria bem assim, mas de facto não deixei de sentir que havia razão em pensar-se isso. Está difícil de sustentar-me a mim própria, tenho pouco tempo para dar a quem precisa, e passo mais tempo a desejar um mundo que não tenho que a viver a realidade tal como ela é.

Incentivei para que Luísa continuasse a falar. Que lição, mensagem, teria ela para me dar?

Pediu-me tolerância e disse-me que uma vez ouvira um espanhol a concluir que os jovens de hoje vivem narcotizados, mas não dos antigos vícios, como as drogas ou o alcool, mas antes pela necessidade de ter. A necessidade de ter coisas e mais coisas. Como não concordar? A maioria de nós não tem tempo para gostar da vida porque a tem de sustentar.

Continuou a falar das manifestações em frente à Assembleia da Republica, mas do lado falso de tudo isso. São manifestções para o facebook e para os twitters. Alguma coisa mudou com essas manifestações? E como todos os que já se sentem com mais passado que futuro, explicou-me que no seu tempo uma manisfestação só terminaria até que verdadeiras mudanças fossem feitas. Enquanto isso não acontecesse ninguém arredava pé. Em união e com verdadeiro sentido de viver, esperava-se por se ser ouvido. Afinal, quem é a sociedade? São esses “bicheiros”* que não têm a mínima noção do que é o sentido de comunidade, e vivem para o dinheiro e para o poder. A ganância é o que lhes dá sentido à vida, funcionários de cifrões na mente, com janelas de presianas fechadas para a desolação.
Senti-me envergonhada. Não faço nem fiz nada para lutar por uma justiça justa. Julgo-me esquecida da sociedade ao sobreviver de recibos verdes e ao pagar impostos cegos sobre os meus rendimentos, sem qualquer apoio quando não tenho como vender os meus serviços, mas isso é uma ilusão que criei para não enfrentar ter a idade que tenho, para não perceber que sou eu, e todos como eu, que podemos fazer alguma coisa.

Depois, já chegada a casa de um fim-de-semana de natureza, com cada musculo do corpo a pedir conforto, peguei no jornal que tinha comprado para ler quando houvesse oportunidade, e eis que mais um conjunto de vozes se ergue para nos acordar deste coma induzido. No público de 12 de Janeiro, vem a rubrica “‘Duas cartas e uma nota, solta’- Que valores para 2013?”, onde a poetisa Ana Luisa Amaral se debruça sobre o estado da esperança para 2013. Nesse ensaio diz-nos assim: “(...) Ainda não fomos esvaziados de participação política, embra possamos correr esse risco. Por isso a solidariedade, nos seus diferentes cambiantes, pode ser uma forma de vos resistir. E de construir um mundo mais bondoso e compassivo” (...) Tal como de palavras são feitas as leis desumanas com que vois nos legislais, também nós de palavras, como formas de solidariedade, nos podemos sempre servir. Para denunciar, para exigir e para nos vincular-mos uns dos outros. Praticando-as no dia-a-dia, praticando-as na arte. Porque elas são o motor da memória. E, enquanto a memória persistir, a solidariedade não morrerá.”

Continua o ensaio com a lembrança de que a Islândia, um país pequeno e de recursos muito específicos, em 2009 não permitiu que as dívidas das “Altas Finanças” viesse esmagar os poucos trocos que cada um com esforço juntou e que o povo nada teve a ver com os devaneios ambiciosos de investidores sem rosto. Responsabilizou-se os verdadeiros culpados das derrapagens económicas e fechou-se um capítulo. Por aqui esmagam-nos com exigências, apertam quem ainda luta por não viver em casa dos pais e por conseguir pagar a sua comida, mas os mealheiros gordos do Senhor Presidente, dos Senhores Ministros e assessores, dos Deputados e Administradores das Instituiões públicas enchem-se de acções monetárias férteis e salários triplicados.

Para terminar fica aqui uma citação para reflectir:

Diz-se geralmente que, em Portugal, o público tem ideia de que o Governo deve fazer tudo, pensar em tudo, iniciar tudo: tira-se daqui a conclusão que somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados, indignos de uma larga liberdade, e inaptos para a independência. A nossa pobreza relativa é atribuída a este hábito político e social de depender para tudo do Governo, e de volver constantemente as mãos e os olhos para ele como para uma Providência sempre presente.

Eça de Queirós (1845-1900), in 'Cartas de Inglaterra'






























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